domingo, 8 de março de 2009

MEMÓRIAS DE UMA BRUXA


Somos um pouco bruxas. Certamente um pouco bruxuleantes nos momentos incógnitos, assim como nos momentos de fúria. Somos adeptas às mandingas, mas delas não nos favorecemos. Nossos encantos são um pouco mais suplicantes. O farfalhar de nossas saias não provoca mais ruídos que nossas almas, que, quando solitárias, acolhem-se no pranto fingido da alegria. Sim, esmorecemos, somos palavras correndo soltas, fugindo da métrica dos versos que nos perseguem, serpenteando por caminhos obscuros, tropeçando aos olhos ferozes daqueles que nos julgam.
Somos também caixa cintilante, forrada com a seda delicada dos anos felizes, recheada pelas lembranças e ansiedade de sermos livres. Não queimamos os nossos tesouros em fogueiras, não somos hereges com relação ao amor. Mas se nos tomam o resto de sanidade, colhemos um ódio, usamos a mordaça silenciosa que aos poucos mastigamos até que o esquecimento a faça desaparecer.
E quando um novo sol nasce, assumimos outras nuances. Surgem tules e pérolas, broches e rosas. Nossos lábios, de tão vermelhos, tornam-se amáveis suspiros rarefeitos. Nossas camas, templos reflexivos, tornam-se ditosos locais de oração, de onde estendemos as mãos contrárias a todo o não.
Somos assim, feitas de uma complexidade bastante simples até. Sedutoras aos olhos ingênuos, vorazes na realidade da essência. Somos um delicioso compêndio de feitiços, uma intensa bebida a ser saboreada. Somos tão ingênuas e felizes por vezes, mas dissimuladas quase o tempo todo.
Assim, enchemos nossas casas de tudo que nos resume, somos surpreendentemente leves, mas cuidado com nossas tempestades, porque também somos puras, e a pureza exige força. Não nos envergonhamos facilmente, e quando o fazemos, é porque alguém que amamos foi ferido.
Quando morremos, nossas dores parecem nos sufocar, as cores nos deixam por um átimo que nos representa quase uma eternidade. Mas quando novamente nascemos, retornamos tão fortes e com uma beleza nauseante. Sempre seremos tudo na vida de alguém...uma dor, uma imagem opaca, uma lembrança vã, ou um beijo efêmero.
Somos loucas, de uma insanidade profunda, quase irremediável. Somos estes olhos brilhantes, indeléveis. Somos etéreas, somos musas, somos temidas. Somos um sonho que se perdeu, ou que está para se realizar. Somos tão indefiníveis e, portanto, fascinantes.
Ai daquele que nos seguir ... perder-se-á deliciosamente para todo o sempre.
ilustração: "Hylas and the Nymphs" (study 1 - 1896) John William Waterhouse.

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