sábado, 14 de fevereiro de 2009

A POESIA E AS BUGANVÍLIAS: O TEXTO REPLETO DE CORES DE ADRIANA LISBOA



Com aparente simplicidade, os textos da escritora Adriana Lisboa percorrem caminhos tão improváveis quanto surpreendentes. A delicadeza é parte insubstituível de suas palavras e, especialmente, das imagens poéticas por elas construídas.
Adriana nasceu em 1970 no Rio de Janeiro, onde passou grande parte de sua vida, morou na França e atualmente vive entre o Rio e o estado do Colorado, nos Estados Unidos. Sua formação original foi em música, mas acabou "descobrindo-se" mais tarde enquanto escritora. é doutora em Literatura Comparada pela UERJ, onde também fez mestrado em Literatura Brasileira.
Considerada uma das grandes revelações da nossa literatura, tem entre seus trabalhos publicados as obras "Os Fios da Memória" (1999), "Sinfonia em Branco" (2001), "Um beijo do colombina" (2003), "Caligrafias" (2004), "Rakushisha (2007)"; os infanto-juvenis "Língua de Trapos" (2005), "Contos populares japoneses" (2008), todos pela Editora Rocco, e "O coração às vezes pára de bater" (2007), pela PubliFolhas.
Em seu site, http://www.adrianalisboa.com.br/, é possível verificar os prêmios com os quais foi agraciada: "Recebeu o Prêmio José Saramago, em Portugal, e, no Brasil, o prêmio de autor revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e o prêmio Moinho Santista (atual Fundação Bunge). Recebeu ainda bolsas de criação e tradução da Fundação Biblioteca Nacional, do Centre National du Livre (França) e da Fundação Japão. Foi selecionada pelo projeto Bogotá 39/Hay Festival, que apontou os 39 mais importantes autores latino-americanos até 39 anos na ocasião da eleição de Bogotá como capital mundial do livro pela Unesco, em 2007. "
Em destaque o seu texto Primavera, publicado no site do projeto Releituras (http://www.releituras.com/)

Primavera
Cinzento, todo cinzento. Sob uma tarde cinzenta. Sob as asas havia também um pouco de amarelo, notei. A buganvília quase não tem folhas: só flores. Magenta, cor-de-rosa, um híbrido pleno e doloroso. Sobre a mesa da varanda, o cacto se curvou um pouco por causa da última ventania. E no entanto nos basta um momento como este. Telhas de zinco, telhas de cerâmica, um pára-raios. Um cata-vento em forma de flor: roxa, com o miolo preto.
Na mesa de trabalho, ali ao lado, um frasco de colírio, um grampeador e um calendário. Uma máscara de Veneza e um porta-retratos com a porta azul de uma casa em Tiradentes. A página número 312 do livro que está sendo traduzido. He had, however, bolted the stable door; and by the time they had forced it open there was no sign of him. Três canetas e um envelope pardo. Um enorme dicionário de capa azul e um livro: Seis problemas para Don Isidro Parodi.
Uma mosca passa e vai embora. O chão da varanda está manchado de vermelho-ferrugem e em algum lugar alguém acelera o motor do carro. Um finíssimo véu de claridade respira, e logo se desmancha entre as nuvens.
(Adriana Lisboa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário