domingo, 15 de fevereiro de 2009

DAS CONVERSAS COM FANTASMAS ...



FANTASMAS

Passaram-se anos
para eu descobrir
que viver dá medo
que viver fere
Ferem as distâncias
e as impossibilidades
O vento sopra impaciente ao meu rosto
adágios impiedosos
lembrando-me do que não fui.
A chuva dilacera meu corpo
com chagas que não cicatrizam
esconde-me de meu passado
faz do mistério o meu abrigo.
A terra molhada beija meus pés
condenando-me às lamentações
E o que vejo diante de mim
enquanto afundo
senão eu mesma?
Sorrindo enquanto desejo chorar
calando quando desejo gritar
deixando que fantasmas invadam meu quarto
durante as noites em que não posso dormir
E agora que caminho selvagem
pelas florestas que habitam meu coração
vejo que os anos me envelheceram
com toda sua indiferença
ensinando-me o que é crueldade
E quando se vai a chuva
volta o sol a queimar
minha face
para cegar-me
diante de meu futuro
não me permitindo enlouquecer
para então reiterar
o quanto sou efêmera
E os prados por onde ando
à procura de mim
envolvem-me os braços
imobilizando minhas esperanças
ser mulher é luta!
dores
lágrimas
ou um conceito obscuro de felicidade
As mentiras em que me perdi
tornam à minha mente
com os anos banais
sempre eles
e me encontro com fotos esparsas
de uma infância ilusória
fotografias que voam em céu relampejante
e que em rasantes ameaçadoras
afligem meu corpo a ser enterrado
E meus dedos sujos
tentam me livrar de meu sepulcro
e o ar que já me falta
ri do meu desespero
aperta minha mordaça
ferindo meus lábios sequiosos
E o que vejo acima de mim
senão eu mesma?
Pisando o chão que me consome
chorando minha própria morte
estendendo-me inutilmente a mão
aceitando o consolo alheio
e a falta de coragem decretada
e a passagem de uma vida
que me deu e me tirou
tudo.
A terra de onde vim
novamente me recebe
sem revelar os seus segredos
sem explicar o que são as lágrimas
que um dia acreditei cristalinas
que um dia chorei
pensando ser recompensada
E agora que vejo a mim mesma
sepultando-me e fingindo dor
digo-me:
procura-te sempre
ainda que nunca te conheças
e dorme
porque o meu fantasma
não mais te atormentará.

(Jaqueline Nascimento)

poema publicado no blog italiano http://www.paolascialpi.blogspot.com/
em 12/12/08.
ilustração: "Boreas", pintura em óleo de John William Waterhouse (1902)

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