terça-feira, 11 de agosto de 2009

MENINA MORTA


Agnieszka Motyka - Ofélia
(encontrado em microargumentos.blogspot.com)


MENINA MORTA

De um passado longínquo
restam, ainda, alguns ruídos
as paredes de cor ocre
do quarto imaculado
cobertas de um suspeito negror
irremediável
Lá fora, a bruma da madrugada
ainda sussurra
cantigas enfadonhas
e cheias de dor e mágoa
E eu, só e sentada
a fronte submersa
no espelho das verdades
E, assim, tentando dar cor ao rosto
de um semblante circunspecto
sinto emergir o som
das rendas diáfanas
Abrem-se as janelas da adoração
E ela invade o ambiente
ponteando o rebanho
de doidas mulherzinhas
ávidas por meus cabelos.
Surge como flor efêmera
trazendo o sol em seus olhos
raiado
Mas como posso com esse corpo iluminado?
A minha alma é um naufrágio só
Mas nesta manhã em que rompe
claridade inefável
quando de sua inopinada chegada
resta-me fitá-la temerosa
e trêmula.
Sozinhas, então, seguimos por claustros
de onde pétalas flutuam em dança
- Por favor – imploro
- sou apenas uma criança!
Não mais ressoam os ecos
e ela, sabendo de minha náusea
Provoca-me com seu sorriso desértico.
Conheço, definitivamente,
a cor do silêncio
Acolhida sou por um rosto
desfigurado
E seu corpo, feito de éter
move-se para mim
como que em prece
Não me deixará sofrer, promete
e agarrará desesperadamente
meu retrato
a cada saudade
de forma quase selvagem
E sinto em seu movimento sinistro
fortuita vontade de desfazer-se
de seus planos
de abraçar-me para sempre
até o túmulo
Ah, mas o despertar maligno
aponta novamente para a resolução
E já me vejo embarcando
nos navios
do desconhecido
em viagem pelos mares
e seus redemoinhos
rumo à torturante exatidão
Ainda agora quando me acordo
lembro do cheiro da despedida
prendo-me às rendas
sentindo um resto de vida
lembro que fui a menina
que um dia sonhando
irrompeu por todas as portas
as suas lágrimas desditas
mas que neste presente não sonha mais
esta menina já não chora,
esta menina está morta.




poema de Jaqueline Nascimento

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